19.7.09


UMA LIVRARIA SÓ NO VITRAL


Nem bem o corrupião da meia noite no meu relógio de parede canta, lembro-me de uma livraria-café aberta no domingo à tarde. Com sol entrando pela janela. A livraria, no entanto, nunca existiu.

Minhas lembranças dela devem brotar da livraria que ficava aberta e sem café até às 24 horas, numa cidade longe e grande, no fim dos anos 80. Ou, então, da especulação que fazia com um amigo, quando na Astrogildo de Azevedo existiam duas livrarias: a da Cesma no início (ou ali é o fim?) da rua e a filial da Sulina, bem na subida em direção à Acampamento. Ingenuamente apostávamos que ali se transformaria em uma rua das livrarias, com uma loja aqui e outras logo ali e acolá, sendo abertas em breves espaços de tempo.
Não lembro se eu ou ele disse: a Astrogildo será como a Riachuelo, em Porto Alegre. Nós queríamos que assim fosse. Agora nem sei mais se há livrarias na Riachuelo. Ainda devem estar lá o Martins Livreiro, a Vozes e até a Sulina.

A Sulina não durou muito, em Santa Maria. A livraria da Cesma mudou-se para outra rua.

Mesmo assim, sempre lembro (para não dizer sinto saudades) de uma livraria aos domingos à tarde, com café e livro aberto numa mesa à janela. O sol entrando companheiro pelas vidraças. Essa livraria é a pintura que faz das vidraças um vitral.

4.7.09




CHATICE




Chico Buarque, entre palmas, gritinhos, chorinhos da platéia na Festa Internacional de Literatura de Paraty, ontem à noite, declarou que é uma chatice escrever e que consultou o google para saber alguma coisa da obra do seu colega de painel: Milton Hatoum.




Para a crítica literária argentina Beatriz Sarlo, "Budapeste" é a publicação mais importante dos últimos anos na literatura latino-americana. Penso que é um bom livro, apenas.




Se para um escritor é uma chatice escrever, deve ser uma chatice lê-lo. Aliás, ainda não li "Leite Derramado" e já achei uma chatice. Aproveitei para aproximar "Orfãos do Eldorado", de Hatoum, na pilha de espera dos livros da mesa de cabeceira.

2.7.09

LIBERDADE

Podem me prender no quarto

Eu saio pela janela

Podem trancar a janela

Eu fujo pelo telefone

Podem cortar o telefone

Eu pulo dentro de um livro (Leo Cunha)

PARA CELEBRAR UM CENTENÁRIO


Para celebrar o centenário de nascimento do escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, ontem adiei quase todos compromissos, tomei banho mais cedo, coloquei o perfume de inverno, chamei um táxi e solene fui ao centro. Antes de sair de casa, ouvi do próprio Onetti a leitura do conto “Bem-vindo, Bob”, pelo El País online, de Madri.

Passei por uma livraria para comprar “O Estaleiro”, romance que ainda não li e fui ao café. Sobre a mesa o exemplar de uma das coletâneas de contos. Escolhi três para ler: “O Inferno Tão Temido”, “A Face da Desgraça” e “Bem-vindo, Bob”.

Para acompanhar a leitura: lapiseira, caneta, moleskine, uma xícara de machiato, adoçante, um copinho de água mineral e guardanapos de papel.

Ignorei a Santa Maria do cidadão que falava, em voz alta, com a companheira e ao celular ao mesmo tempo, à mesa em frente e o outro, na mesa de trás, que fungava e tossia.

Mergulhei nas águas profundas da Santa Maria de Onetti, anotando na caderneta, sublinhando no livro algumas coisas como “E a juventude intacta, a experiência coberta de cicatrizes”.

De vez em quando, parava e pensava, sem tirar os olhos da página: Onetti quando menino lia dentro de um armário, com a luz de uma lanterna e a companhia de um gato. Essa seria a causa de sua vista ruim. Lera muito naquele refúgio.



De repente um flash de máquina fotográfica me levaria para o centro do café. Sorri meio sem entender o que acontecia e novamente abaixei a cabeça para a leitura.

Na tarde havia sol e um friozinho agradável, no café pouca luz e um friozinho desagradável.


Algum tempo depois, uma chamada no celular anunciava tão próximo estava o fim da celebração.

Mesmo encerrando aquela leitura, continuarei a celebrar: no futuro, a comanda do café será marcador de páginas no “O Estaleiro”.


PS: daqui a dois anos, o centenário de Ernesto Sábato. Onetti faleceu em 30 de maio de 1994, em Madri. Sábato reside em Buenos Aires (Rojas, 24 de junho de 1911): muita vitalidade a ele.