15.5.09

ASSIM COMO AQUELE GATO


Há quem não acredite e ria do que digo. Mas, há um traquina misterioso pelas estantes que acolhem os meus livros. Quando lembro desse maroto, lembro, também, de um gato chamado Mimoso, da minha adolescência. Mimoso sumia por dois ou três dias. À noite até ouvia seus miados. Depois retornava sujo e lanhado. Recebia comida, e passava o resto do tempo sobre o rádio de válvula ligado. Aproveitando o calorzinho.


Meus livros não reaparecem sujos e lanhados. Mas somem, e de repente lá estão na vertical, disfarçadamente entre outros. Muitas vezes, na horizontal, como se descansassem. Voltam empoeirados. Talvez do pó que entra pela janela, tão próxima à rua.


Não raro sou motivado a lembrar de um livro, corro a estantes. Onde está ele? Procuro. Me agacho, subo no banco, na escada. Procuro entre os que estão na mesa de cabeceira. Às vezes até na revisteira do banheiro. Nada.


Para citar dois exemplos. Tão logo anunciaram, discretamente para o meu gosto, que Nélida Piñon havia ganho o Prêmio Príncipe Astúrias de Literatura de 2005, fui ao reencontro dos exemplares de sua obra que tenho há algum tempo. Todos estavam lá, menos Pão de Cada Dia. Um livro de crônicas.


Será que o livro continua na farra, mais longa do que as de Mimoso? Viro, reviro. Nada. Encontro outros que estavam extraviados. O pão nosso, nada.


Neste dia bem característico de agosto (só faltam o vento norte e o cachorro louco), assisto pela televisão à primeira parte da , tão prometida, rara entrevista de Manoel de Barros. Esse poeta que prova que tudo serve à poesia.



Ali sentado, enquanto também observo os dois bem-te-vis tomarem banho na caixa d`água aberta da casa vizinha, assisto, com todos os ouvidos, ao poeta pantaneiro. Mal os pássaros abandonam a água, e os créditos do programa de tv desaparecem, vou até à estante onde aninha-se a poesia. Procuro daqui, procuro de lá. Nada. Acendo a lâmpada, apesar de ainda ser meia tarde do domingo de um sol quase quente. Nada. Sigo adiante. Na próxima estante, nada. Vou de livro em livro. A mesma coisa. Então desisto das poesias. Parto para a outra estante. Entre os romances também não está. E assim passo o resto da tarde. Manoel, Manoel onde estás? Não te escondas. Mais cedo ou mais tarde te acharei. Gostaria de achá-lo, agora, neste calor da hora. Nada. Manoel de Barros fica, então, naquela imagem da tv, entre a mulher e os filhos, dizendo "zé fini".


O certo é desistir, por ora. Manoel de Barros aparecerá quando menos espero. Aí abrirei ao léu, em pé, o único livro que tenho dele. Lerei um verso, um poema. Quase todo o livro. Possivelmente será à noite. Certamente pelo início da madrugada, enquanto me dirijo ao sono, passando pelas estantes. O traquina fará Manoel me assoviar. Psiu, estou aqui. Assim como outros fizeram, quando voltaram de dias e noites de farras. Assim como aquele gato. Mimoso, no entanto, apesar de desaparecido, se anunciava em miados fortes por cima dos telhados, que ainda haviam na noite.

Um comentário:

Olívia disse...

Assim como os livros desaparecios que certa feita saltam ao nosso encontro, encontrei esse blogue do meu mestre com alma de poeta. Que belo texto!